Por força do art. 114 da Emenda Constitucional nº 45 compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral e patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.
Assim, a Justiça do Trabalho passou a julgar também as ações de indenização por acidente de trabalho ou doença ocupacional, que anteriormente eram solucionadas na Justiça Cível.
Tradicionalmente as ações que envolvem segurança e saúde do trabalhador requerem perícia. Aqueles mesmos peritos trabalhistas que já realizavam perícias de insalubridade e/ou periculosidade passaram a ser nomeados para a realização das perícias médicas e de nexo causal.
Algumas Varas Trabalhistas acertadamente têm nomeado peritos distintos para elaboração da perícia médica (doença ou acidente e incapacidade) e da perícia de engenharia (nexo causal), eis que o estabelecimento do nexo envolve vistoria no ambiente de trabalho e avaliação das atividades laborais.
Perícia médica: nenhuma novidade
Quando se fala em ações de indenização por acidente de trabalho, a perícia médica não trouxe qualquer novidade, eis que similar às perícias realizadas para efeitos de reintegração ao emprego, onde em suma é constatada a doença ou acidente e eventual incapacidade do trabalhador.
Perícia de nexo causal: essencialmente documental
O mesmo não se pode afirmar quanto à perícia de nexo causal, já que a própria justiça tem determinado os critérios para a realização de tais perícias, de forma equivocada e inclinando o Expert a realizar uma perícia essencialmente documental (simples auditoria de cumprimento das Normas Regulamentadoras) ao invés de técnica.
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A causa do acidente nem sempre está ligada à falta de documentação
Diga-se de passagem, a causa do acidente ou doença nem sempre está diretamente ligada à falta de documentação ou descumprimento formal da legislação.
Por exemplo, ocorreu um caso de acidente fatal por queda em altura no qual a empresa foi condenada em razão do descumprimento das Normas em Segurança e Medicina do Trabalho.
Porém, tal descumprimento consistiu unicamente em não respeitar as dimensões mínimas para o armário dos trabalhadores. Tal inconformidade é passível de autuação pelo Ministério do Trabalho, no entanto, não foi o motivo da ocorrência do acidente!
Indenização por acidente de trabalho: o que se espera do perito
Espera-se do perito judicial não a compilação de dados documentais, já que tal poderia ser realizada por qualquer pessoa leiga, sem conhecimentos especializados; mas que aquele profissional realize uma verdadeira análise de risco envolvida na doença ou no acidente tipo.
Em tais casos, o perito judicial deve realizar seu trabalho com isenção, inclusive não se deixando influenciar por outros laudos que eventualmente já tenham sido acostados aos autos, tais como laudo da Polícia Científica, Delegacia Regional do Trabalho, etc.
E, ainda que a Justiça do Trabalho seja naturalmente um fórum de privilégio do empregado (em razão de sua hipossuficiência), o perito não deve se deixar contaminar por esse espírito, já que sua atuação é técnica, devendo obstinadamente procurar a verdade consubstanciando-a em suas conclusões. A justiça social deve ser exercitada pelos Magistrados e não pelos peritos!
Perícia de doença ocupacional
No caso da doença ocupacional cabe, uma vez constatada a doença do trabalhador, periciar o ambiente de trabalho à procura de eventual agente que tenha nexo com a doença apresentada.
Um exemplo clássico é a PAIR (perda auditiva induzida por ruído) cujo nexo com o trabalho é confirmado com a constatação de nível de pressão sonora elevado no desenvolvimento das atividades do trabalhador.
Ressalte-se que há perdas auditivas não relacionadas ao trabalho como a presbiacusia (envelhecimento natural) e aquelas resultantes de trauma acústico, ou do uso de substâncias ototóxicas, ou doenças como diabetes, etc.
Assim, uma doença pode ser oriunda de vários fatores, inclusive o ocupacional. Tentar admitir que toda doença seja resultado do trabalho conduz a uma conclusão tendenciosa.
Ademais, determinadas doenças não possuem qualquer relação com o trabalho, a exemplo da doença degenerativa, a inerente a grupo etário e a doença endêmica, como bem ressalta a Previdência Social no RBPS.
Doenças ocupacionais e o estabelecimento no nexo
Por óbvio que no caso das doenças reconhecidamente ocupacionais não é a simples constatação da existência da patologia que culminará na responsabilização do empregador.
Faz-se necessário estabelecer o nexo entre a doença e a atividade desenvolvida pelo empregado. Caso não seja comprovado ou estabelecido o nexo, não há que se falar em responsabilidade.
No estabelecimento do nexo com a doença, o perito usará como ferramenta a higiene do trabalho, em forma similar à avaliação da insalubridade.
Limites de tolerância
Os limites de tolerância, especialmente os internacionais, representam patamares de separação de uma exposição salubre e insalubre e, com as devidas ressalvas, devem ser utilizados como balizadores da conclusão pericial.
Exposições acima do limite de tolerância podem redundar em doença na maioria dos trabalhadores expostos, excluindo-se os hipo e hipersusceptíveis.
Infelizmente não é possível confiar nos limites de tolerância nacionais, eis que tecnologicamente defasados em razão de exatos 30 anos sem atualização. Diga-se de passagem, que nossos limites de tolerância foram derivados dos TLV’s da ACGIH de 1978, corrigidos pelo fator 0,78 em razão de nossa jornada semanal de 48 horas (na época) contra a jornada semanal americana (40 horas) e, de lá para cá não houve uma atualização dos valores, exceto em casos pontuais.
Análise ergonômica
Em se tratando de LER/DORT o instrumento que vai estabelecer o nexo causal é análise ergonômica. No entanto, a análise ergonômica não é mero checklist, especialmente da NR-17.
Há duas escolas ou correntes que devem ser seguidas na realização de uma análise ergonômica: a escola americana e a escola francesa.
Na escola americana é valorizada a antropometria bem como o mobiliário, condições de trabalho, etc, por seu turno, a escola francesa privilegia a organização do trabalho.
Novidade no NTEP
Uma novidade trazida pelo NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) é o possível aproveitamento, pela Justiça do Trabalho, da decisão administrativa da Previdência Social, estabelecendo o nexo entre a doença e o trabalho por presunção.
Assim, a Justiça do Trabalho sequer requisitará perícia quando a Previdência Social já tiver reconhecido o nexo entre a doença e o trabalho.
Dessa forma, a empresa deve concentrar seus esforços para contestar o NTEP e demonstrar oportunamente que a doença não possui relação com o trabalho, sob pena de sofrer uma cascata de consequências danosas.
Ressalte-se ainda que por força do art. 927, in verbis, do novo Código Civil, houve modificação na responsabilidade civil brasileira:
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem (grifo nosso).
A responsabilidade civil que outrora era subjetiva, agora passa a ser objetiva. Na responsabilidade subjetiva o dever de indenizar surge em razão do comportamento do sujeito que causa danos a terceiros, por dolo ou culpa.
Responsabilidade objetiva
Na responsabilidade objetiva, basta que haja o dano e o nexo de causalidade para surgir o dever de indenizar, sendo irrelevante a culpa do agente causador.
Assim, no caso da responsabilidade objetiva, aquele que no exercício de sua atividade cria um risco de dano a outrem, responde pela reparação do prejuízo, mesmo quando não tenha culpa.
A responsabilidade objetiva já é aplicada aos danos nucleares, danos causados ao meio ambiente e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas já começa a ser também aplicada nas indenizações trabalhistas por acidente e doença ocupacional.
Acidentes tipo
No caso dos acidentes tipo, o objeto da perícia é realizar uma análise de risco, por meio das várias técnicas consagradas, com finalidade de levantar as prováveis causas que levaram ao infortúnio.
Dentre os acidentes tipo mais comuns podemos citar:
- as quedas de altura ou no mesmo nível;
- as queimaduras, inclusive por produtos químicos;
- ser atingido por objeto, máquina ou equipamento;
- ser aprisionado, inclusive em espaço confinado;
- ser exposto a produtos químicos, alta temperatura, radiação, etc.
Há várias técnicas de análise de risco e cada qual específica para uma situação em particular.
Acidente fatal
Quando o acidente for fatal, infelizmente o empregado não poderá dar seu testemunho ou prestar informações acerca do infortúnio, o que traz um grau de incerteza maior à apuração dos fatores que causaram o evento.
Se não houver sequer testemunhas oculares, só resta à perícia concluir seu laudo com base em hipóteses, exceto se houver qualquer indício que reforce uma das causas do acidente.
No entanto, é preciso lembrar que evidências não são provas e, explorar evidências é como andar numa bicicleta ergométrica, que não levará ninguém a lugar algum.
Perícia de acidente grave ou fatal
Toda vez que ocorrer um acidente grave ou fatal a perícia deve investigar além das questões óbvias contidas numa análise de riscos.
Fatores indicativos de comportamento suicida, embora raros, não devem ser desprezados por completo, especialmente quando houver suspeita entre os colegas de trabalho do acidentado.
Endividamento, desgosto, insatisfação, problemas conjugais, uso de drogas ou álcool podem ser o ponto de partida para uma investigação mais acurada a respeito do acidente.
Nossa experiência na investigação de acidentes do trabalho revela que em vários casos, o acidentado não havia sido treinado ou não teria habilidade para as atividades que realizava no momento do infortúnio.
O acidentado substituía alguém com muito mais experiência que ele próprio, ou simplesmente foi convocado para realizar o famoso “quebra-galho”, ou era o novato ou aprendiz que não dominava perfeitamente a maneira de realizar o trabalho e, ainda assim, realizava a atividade sem supervisão.
Falta de treinamento específico
Outra questão bastante comum na análise de acidentes é a falta de treinamento específico em segurança no trabalho. As empresas pecam por não elaborarem ordens de serviço com enfoque na segurança; ou por não oferecerem treinamento sobre o conteúdo de tais ordens.
É obrigação da empresa levantar todos os riscos do ambiente de trabalho, dar ciência ao trabalhador e treiná-lo para a prevenção destes riscos.
Cumprir e fazer cumprir as normas em segurança e medicina do trabalho é mais do que imprimir papéis contendo vários programas, é implantar de fato tais programas para que estes auxiliem a empresa na sua missão de prevenção.
Tarefa que requer conhecimentos especializados
Finalmente, a análise de acidentes do trabalho é tarefa que envolve conhecimentos especializados na área de análise de riscos.
Análise de risco não é especulação ou conjecturação, como também não é simples cotejo de itens de normas que não possuem qualquer relação com a causa do acidente.
Quer saber mais ou ficou com dúvidas sobre ações de indenização por acidente de trabalho? Entre em contato conosco. Será uma satisfação ajudar!