Solventes orgânicos (VOC): estado da arte

Solventes orgânicos (VOC): estado da arte

Dr. Antonio Carlos Vendrame

18 de junho de 2024

Uma solução sempre possui dois componentes: solvente que dispersa ou dissolve, podendo ser líquido, gasoso ou sólido e soluto que é o disperso ou dissolvido. 

Assim, em termos de química, inúmeras substâncias podem ser solventes. No entanto, em saúde ambiental e ocupacional o nome de solventes (também é utilizada a denominação de solventes orgânicos) é reservado para substâncias derivadas do petróleo e se distribuem em quatro classes.

 

Classes de solventes orgânicos

  • Parafínicos: possuem cadeias retas, constituídos por alcanos (apenas ligações simples entre o hidrogênio e carbono).
  • Olefínicos: possuem cadeias retas, constituídos por alcenos (dupla ligação entre os carbonos).
  • Naftênicos: possuem cadeia fechada formada por hidrocarbonetos cíclicos.
  • Aromáticos: possuem o anel benzênico.

 

Centenas de agentes químicos individuais são utilizados na fabricação de mais de 30.000 solventes de uso industrial. A nomenclatura dos solventes confunde!  Benzeno não possui qualquer parentesco com a benzina. O benzeno é um aromático, a benzina é o hexano, um hidrocarboneto de cadeira aberta (alifático).

Segundo dados internacionais, cerca de 50% dos solventes vão para a fabricação de vernizes, tintas, colas, cosméticos; 20% para a fabricação de sapatos; 10% para a indústria de agrotóxicos e 10% são usados na limpeza de metais, lavagem a seco, indústria têxtil e farmacêutica.

 

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Associação dos solventes orgânicos com o câncer

Quem pela primeira vez associou câncer ao agente ambiental foi o médico inglês Percival Potts no século XVIII.

Naquela época os limpadores de chaminé, na Inglaterra, utilizavam calças por vários dias, sem trocá-la. Além de que, não faziam uso de roupas íntimas de forma que toda a sujidade da calça atingia diretamente o saco escrotal.

A região é muito sensível e foram registrados vários casos de câncer do escroto que ficou associado com a exposição ao benzopireno oriundo das chaminés.

 

Solventes orgânicos sem composição fixa ou definida

Os solventes são misturas de várias substâncias, especialmente hidrocarbonetos. Como subproduto do refino de petróleo, os solventes são substâncias ordinárias que não possuem composição fixa e definida.

A composição do solvente variará segundo a origem do petróleo. Também o processo de refino dará origem a produtos com composições distintas.

Segundo José Tarcísio Buschinelli, doutor em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP), algumas variáveis influem na exposição ocupacional dos solventes:

  • Pressão de vapor: quanto maior a pressão de vapor, mais força o solvente terá para sair do estado líquido e passar ao estado vapor.
  • Temperatura de ebulição: quanto menor a temperatura de ebulição, com mais facilidade se volatilizará.
  • Superfície de evaporação: quanto maior a superfície de evaporação, maior a quantidade evaporada, por simples razão de geometria.
  • Coeficiente de partição óleo/água: os compostos com nenhuma solubilidade na água (como os hidrocarbonetos alifáticos) são menos absorvidos do que os que têm hidrossolubilidade (como os alcoóis, cetonas e ésteres).
  • Carga física do trabalhador: quanto maior a ventilação pulmonar, maior a quantidade de solvente que alcançará os pulmões.

 

As propriedades físicas de uma substância interferem em sua capacidade de causar riscos à saúde humana.

Por exemplo, a solubilidade de uma substância em meio aquoso ou gordura indica se o metabólito solúvel em água pode ser excretado do organismo ou se a lipossolubilidade poderia favorecer seu armazenamento na gordura do corpo. Assim, quanto mais solúvel uma substância, maior sua absorção.

 

Potencial anestésico

Os solventes em geral possuem um grande potencial anestésico que é diretamente proporcional à sua solubilidade em gordura. Por seu turno, a absorção dermal está relacionada à solubilidade em água e gordura.

A toxicidade por inalação e o grau de exposição a substâncias líquidas dependerá de seu nível de volatilidade, ou seja, quanto mais volátil, maior é o risco de exposição por inalação de seus vapores.

 

Efeitos sinérgicos e potencializadores

Os solventes também possuem efeitos sinérgicos e potencializadores de outros agentes.

O normal seria esperar o efeito aditivo numa exposição a um produto mais um solvente; no entanto, este último promove uma sinergização da mistura, proporcionando resultados superiores à simples adição.

E, em outras situações, o produto isoladamente não teria qualquer efeito, mas adicionado de solvente potencializa este efeito.

 

Efeitos relacionados a agentes físicos

Os efeitos nefastos dos solventes chegam a alcançar outros agentes que não os químicos, a exemplo do agente físico ruído.

A perda auditiva induzida pelo ruído é sinergizada pela exposição aos solventes, particularmente tolueno, xileno, tricloroetileno, dissulfeto de carbono e estireno.  Aliás, estudos demonstram que o tolueno isoladamente produz perda auditiva.

 

Odor como indicador

Alguns solventes, ainda que presentes em traços, podem ser percebidos por seus odores.

O odor pode servir como indicador da presença de determinada substância nociva. Porém, nem todas as substâncias químicas possuem odores fortes; por outro lado, nem toda substância com forte odor é nociva.

Nas substâncias com propriedades de alarme adequadas, o limite de odor é menor que o limite de tolerância, abaixo alguns exemplos:

 

Substância Limite de odor (ppm) Limite de tolerância TWA (ppm)
Acetona 62 750
Amônia 17 25
Tolueno 1,6 50
Xileno 20 100

 

Nas substâncias com propriedades de alarme pobres, o limite de odor é maior que o limite de tolerância, conforme exemplos abaixo:

 

Substância Limite de odor (ppm) Limite de tolerância TWA (ppm)
Benzeno 61 1
Tetracloreto de carbono 250 5
Percloretileno 47 25

 

Efeitos da exposição aos solventes orgânicos

A exposição aos solventes orgânicos ocorre diariamente em mais de um milhão de trabalhadores americanos.

Os efeitos mais comuns dos solventes estão relacionados com o sistema nervoso central; no entanto, a literatura registra também efeitos dermais, respiratórios, hepáticos, renais, hematológicos e no sistema reprodutivo, variando de simples mal-estar até câncer.

 

Análise de um solvente

A análise laboratorial ambiental de um solvente deve levar em consideração a interferência de outro solvente, com configuração química semelhante, como ocorre com o benzeno, xileno e tolueno.

Por exemplo, na contratação de uma análise de benzeno, o laboratório analítico deve ser informado que no ambiente existem também tolueno e xileno (interferentes do benzeno) para que seja fornecido amostrador compatível com tal necessidade.

Assim, numa análise ambiental de solventes a amostragem não deve se restringir somente ao BTX (benzeno, tolueno e xileno) ou BTXE (benzeno, tolueno, xileno e etilbenzeno).

É necessário fazer uma análise que cubra todos os agentes químicos existentes num solvente. A varredura de solventes tem se prestado muito bem a esta finalidade, mostrando a concentração dos primeiros 20, 30 ou 50 agentes químicos existentes num ambiente com o uso de solventes.

Dispensável alertar que a interpretação das concentrações frente aos limites de tolerância deve levar em consideração o efeito combinado desses agentes químicos, conforme equação abaixo:

 

C1LT1+C2LT2++CnLTn1

Onde:

C = concentração do agente

LT = limite de tolerância correspondente

Caso a soma das parcelas ultrapassar o valor unitário, o limite de tolerância foi ultrapassado.

 

Dosimetria passiva

Para a realização de uma varredura de solventes se recomenda a coleta com utilização da dosimetria passiva.

Dentre as várias vantagens da dosimetria passiva estão a portabilidade do dosímetro e a não utilização de bomba de amostragem, pois o método se utiliza da difusibilidade das substâncias.

No entanto, para uso da dosimetria passiva é necessário que haja um movimento mínimo de ar de 25 ft/min em contato com a face do amostrador passivo para uma coleta adequada. Quando o ar está inerte, ocorre “inanição” porque não há moléculas novas de contaminantes para que ocorra a difusão.

 

Substituição dos solventes orgânicos

O controle dos solventes no ambiente deve ser realizado com bastante cautela, especialmente quanto à substituição do agente.

No passado o benzeno foi substituído pelo tolueno e xileno. Atualmente alguns solventes têm sido substituídos por solventes à base d’água ou por d’limoneno (solvente natural).

Muitas colas a base de solventes têm sido substituídas por colas a base d’água; no entanto, tais colas contêm em sua composição isocianato.

É possível a substituição dos solventes por biossolventes, tais como soiato de metila, lactato de etila, d-limoneno. Ou, alternativamente, também podemos substituir os solventes por solventes oxigenados de várias categorias, conforme a seguir:

  • Alcoóis: etanol, metanol
  • Ésteres: acetato de etila, acetato de isopropila
  • Cetonas: acetona, MEK
  • Glicóis: etileno glicol, propileno glicol
  • Éteres glicólicos: butil glicol
  • Ester de glicol éter: acetato de butil glicol
  • Tintas tais como tintas à base d’água, altos sólidos, sistemas bicomponentes, tintas em pó, cura UV.

Quer saber mais ou ficou com dúvidas sobre solventes orgânicos? Entre em contato conosco. Será uma satisfação ajudar!