O conteúdo “Perícia virtual é possível?” é de autoria de Antonio Carlos Vendrame e foi escrito para a revista Proteção, em setembro de 2020.
Com o início da pandemia, a Justiça do Trabalho suspendeu suas atividades presenciais e, em consequência, as perícias também foram descontinuadas.
Atualmente o Judiciário se prepara para o retomo das atividades e, a exemplo das audiências virtuais, algumas perícias já estão sendo agendadas sob a modalidade virtual.
Como sempre digo em meus treinamentos, a perícia é matéria de fato e, como tal, depende de um fato. Se não houver fato, não há perícia, por perda de objeto.
Alguns até tentam embarcar no “túnel do tempo” e se aventuram em realizar uma perícia num ambiente descaracterizado ou que não existe mais.
No entanto, tal perícia é totalmente vulnerável, especialmente para a parte sucumbente que, fatalmente, irá impugnar o resultado pericial, alegando que a perícia deixou de cumprir seu encargo.
Da mesma forma que as audiências virtuais estão sendo alvo de críticas, particularmente pelos advogados, as situações de perícia virtual também sofrerão muitos comentários e resistência por todos os envolvidos.
Perícia virtual: sem vistoria
Não podemos olvidar que algumas comarcas, especialmente do sul do País, já contemplam a realização de perícias de insalubridade e periculosidade nas dependências do Fórum Trabalhista, sem a vistoria do local de trabalho do reclamante.
Juízes trabalhistas determinam que os peritos judiciais realizem as perícias de insalubridade e periculosidade, sem efetivamente visualizar ou conhecer o local de trabalho do autor.
No entanto, não se concebe a realização de uma perícia sem a devida vistoria do local de trabalho do reclamante, colhendo e reunindo elementos de convencimento à conclusão pericial.
É humanamente impossível, exclusivamente a partir dos relatos das partes, idealizar o ambiente de trabalho do reclamante com todas as suas peculiaridades. É preciso salientar que as narrativas das partes, que são leigas, não se prestam como indicativos à perícia.
Fazendo uma analogia insana, é o mesmo que pedir ao juiz para julgar sem os autos!
Sempre questiono aos médicos se é possível fazer perícia de alguém que já morreu e, a resposta é: na melhor das hipóteses, só é possível realizar uma necrópsia, mas perícia médica não é possível.
No entanto, os engenheiros de segurança são compelidos a se manifestar sobre atividades que nunca presenciaram.
Adentrando mais a fundo na questão, não há como validar uma perícia realizada fora do local de trabalho, pela falta de avaliações qualitativas e quantitativas do ambiente laboral do
reclamante.
Como será possível afirmar se o reclamante esteve exposto a algum agente, em intensidade ou concentração acima dos limites de tolerância? Por mais esforço que as testemunhas façam, é impossível estimar a exposição que sofria o autor em seu ambiente de trabalho.
Prova emprestada
No caso dos agentes avaliados quantitativamente, tais como ruído, calor, radiações ionizantes, vibrações ou agentes químicos, como fará a perícia virtual para avaliar tais agentes à distância?
Assim, por si só, o reclamante ficaria privado da avaliação de tais agentes, podendo ter o resultado de sua perícia prejudicado.
Para os agentes avaliados de forma qualitativa (radiações não ionizantes, frio, umidade, agentes químicos e agentes biológicos) a situação não é diferente
Ainda que sua mensuração esteja dispensada, a avaliação qualitativa não é um “cheque em branco” dado na mão do perito que caracteriza como insalubre toda e qualquer situação. Mas tão somente aquela, cuja natureza e intensidade do agente e tempo de exposição culminem em exposição nociva à saúde do empregado, nos termos do art. 189 da CLT.
Sabemos que alguns peritos não realizam quaisquer avaliações em suas perícias, especialmente por não possuírem os equipamentos necessários para fazê-las. No entanto, o procedimento de acessar uma empresa, solicitar o PPRA e retirar os dados de avaliação daquele documento, não pode absolutamente ser chamado de perícia!
Na melhor das hipóteses, tal procedimento se equipara à utilização de prova emprestada, a qual é privativa de juiz, nos termos do art. 427 do CPC.
Lembro ainda que tal prática pode trazer prejuízos a ambas as partes: seja por utilizar um documento elaborado sob encomenda da empresa, prejudicando o reclamante; seja por fazer uso de informações de contexto isolado no documento, prejudicando a reclamada.
Desta forma, fazer uma perícia com base nas informações da reclamada, jamais poderia se adjetivar como perícia e, para tal, nem seria necessário um perito, eis que até mesmo o juiz poderia compulsar tais informações no documento e sentenciar sem perícia.
Questionamentos sobre a perícia virtual
Da mesma forma que para a insalubridade, a periculosidade avaliada à distância também poderia gerar inúmeros questionamentos, a exemplo de: “a cabine primária possuía ou não
todos os requisitos de segurança?” “Os inflamáveis existentes estavam em condições de risco acentuado?” “Qual tipo e quantidades de explosivos estavam no paiol?”
O simples testemunho de que o reclamante ingressava em área de risco não é suficiente para a caracterização da periculosidade. Faz-se ainda necessária a estimativa da frequência, situação e condições desse local e informações documentais.
Assim, seja insalubridade, seja periculosidade, impossível é a manifestação da perícia sobre a existência, ou não, de enquadramento para o caso concreto sem a observação in loco desse ambiente de trabalho.
No entanto, não podemos negar que o Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução nº 317/2020, autorizou a realização de perícias em meios eletrônicos ou virtuais em ações em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais, enquanto durarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo coronavírus.
Ainda, considerando que a perícia virtual se baseará exclusivamente em testemunhos, os mesmos questionamentos levantados nas audiências virtuais também o são aqui.
Ou seja: durante a oitiva de testemunha, eventualmente, numa queda de rede, o advogado pode ter contato direto com esta, preparando-a. Ou ainda, a testemunha estar sendo alimentada com informações por meio de “teleprompter”, instruções verbais ou mensagens de celular.
Além do que, as testemunhas podem ter acesso ao relato de outras testemunhas, o que viciará todos os testemunhos, ferindo a sua incomunicabilidade.
Finalmente, considerando que à perícia cabe opinar tecnicamente quanto à matéria de fato, deve o perito judicial se abster de realizar perícia nas situações em que não houver fato a ser observado. Podendo realizar a “perícia indireta” somente mediante a determinação judicial e, ainda assim, tendo a máxima cautela em não se desviar de sua posição técnica. Dispensável lembrar que o §1º do art. 464 do CPC dispõe que o Juiz indeferirá a perícia quando a verificação for impraticável.
Ficou com alguma dúvida ou quer saber mais sobre perícia virtual? Entre em contato conosco. Nós podemos ajudar!