O reconhecimento de risco é a fase da Higiene do Trabalho onde o usuário utilizando do seu julgamento profissional detecta a existência do agente, seja ele físico, químico ou biológico e, estima sua concentração ou intensidade para qualificar o risco (pequeno, mediano ou grande) existente na operação ou atividade desenvolvida pelo trabalhador.
Julgamento profissional é a aplicação e o apropriado uso do conhecimento adquirido da educação formal, observação, experimentação, inferência e analogia.
As ferramentas utilizadas e fontes de informações podem ser as mais diversas, desde entrevistas com os trabalhadores ou técnicos de processo até o inventário no almoxarifado da empresa para se conhecer cada matéria-prima existente e que será utilizada no processo produtivo.
No entanto, não é somente a existência do agente no ambiente de trabalho que caracteriza seu reconhecimento, mas a exposição a que o trabalhador está submetido. Latas de tintas à base de solventes fechadas numa prateleira de loja não trazem qualquer dano à saúde do trabalhador; o dano poderá ocorrer com a continuada exposição aos vapores do produto quando aberta sua lata.
O principal objetivo do reconhecimento de risco é identificar o risco potencial à saúde oriundo dos agentes ambientais e diferenciar uma exposição aceitável de uma não aceitável.
A atual legislação em insalubridade, através dos anexos da NR 15 da Portaria n° 3.214/78 do Ministério do Trabalho, traz uma péssima herança da Portaria 491/65, a avaliação qualitativa, a qual prescreve a simples inspeção no local de trabalho, alvo de equivocadas interpretações pela maioria dos profissionais em SST, como sendo a simples presença do agente nas atividades do trabalhador.
A insalubridade por agentes químicos implica na exposição do trabalhador (por qualquer das vias de acesso aérea, digestiva ou dermal) ao agente.
O anexo 13 da NR 15 se encontra há mais de 40 anos sem qualquer atualização, contendo vários enquadramentos obsoletos, a exemplo do enquadramento em insalubridade de grau médio de “telegrafia e radiotelegrafia, manipulação em aparelhos do tipo Morse e recepção de sinais em fones”. Apesar de tal enquadramento estar no rol dos agentes químicos, não há qualquer exposição a agente químico envolvidos nesta operação, tratando-se novamente de herança da Portaria 491/65.
Exatamente pela falta do aprofundado conhecimento da química, várias impropriedades são constatadas nos documentos de SST. Uma destas costumeiramente encontradas são as caracterizações considerando as matérias-primas utilizadas no processo e não seu resultado final. É bom relembrar a equação mais básica da química:
NaOH + HCl => NaCl + H2O
Juntando hidróxido de sódio (conhecido como soda cáustica) ao ácido clorídrico, em proporções adequadas, obtém-se cloreto de sódio (sal de cozinha) e água. Assim, apesar das matérias-primas serem consideradas insalubres, o produto resultante não é… O reconhecimento do risco não deve se restringir às matérias primas caso o trabalhador não tenha exposição a estes produtos, por exemplo, por uma alimentação automática ou através de tubulações.
Outro equívoco ocorre na avaliação dos agentes químicos constantes do anexo 11, o qual prescreve avaliação quantitativa. Sem qualquer base legal, alguns “invencionistas” afirmam que para aqueles agentes que possuem a coluna “absorção também pela pele” assinalada não é necessária a avaliação quantitativa, mas tão somente qualitativa. Onde está escrito isto? Tal marcação somente identifica um agente que além da absorção via aérea possui também a absorção via dermal e nada mais!
Por estar obsoleta, a legislação ainda prescreve a amostragem instantânea (por tubos colorimétricos), eis que era a única disponível no Brasil na época da legislação. Inclusive estipula a quantidade de 10 amostragens em cada ponto. Atualmente, em raríssimas oportunidades utilizamos a amostragem instantânea por tubos colorimétricos. As amostragens mais usuais são as contínuas, que normalmente abrangem toda a jornada de trabalho. No caso de utilização de amostragem contínua, também não cabe a prescrição de realização de 10 amostragens.
Um erro bastante usual está relacionado com a nomenclatura dos agentes químicos. Para aqueles não familiarizados com a química, a questão de nomenclatura é uma verdadeira armadilha… Quem poderia acreditar que acetaldeído, aldeído acético, aldeído etílico, etanal, acetal, etilaldeído, acetilaldeído e 1,1 dietoxi-etano, representam o mesmo produto? Como saber que EDTA é ácido etilenodiaminotetracético?
As traduções para o idioma português também são problemáticas: quem diria que benzine não é benzeno, mas sim, gasolina… Benzeno em inglês é benzene.
É importante também conhecer as funções orgânicas, especialmente dos solventes. Muitos laudos caracterizam insalubridade para solventes alifáticos (cadeia aberta) os quais não possuem qualquer relação com solventes aromáticos (anel benzênico). Um solvente parafínico é constituído por alcanos (hidrocarbonetos com ligações simples entre os átomos de carbono e hidrogênio) e não tem nada a ver com parafina. Um solvente olefínico é constituído de alcenos (hidrocarbonetos com uma dupla ligação entre os átomos de carbono e hidrogênio).
O reconhecimento dos agentes químicos é um capítulo à parte e, é a maior fonte de dor de cabeça dos profissionais. O reconhecimento de um agente pode ser feito utilizando-se das propriedades organolépticas do produto utilizando os órgãos dos sentidos tais como o olfato.
Porém, nem todos agentes possuem odor e, nem todos que possuem odor são perceptíveis pelo ser humano em qualquer concentração. Assim, o “cheirômetro” é limitado e pouco confiável.
Uma medida óbvia é verificar o rótulo da substância para sua identificação; porém, alguns rótulos trazem apenas o nome fantasia do produto. Para desvendar o mistério, uma boa prática é solicitar a FISPQ ou MSDS do produto em questão, quando então é possível verificar a composição do produto, ainda que seja uma mistura de vários componentes.
Quando se fala em avaliação, os problemas são maiores ainda. Por exemplo, há laboratórios mal intencionados que induzem os profissionais a erros com o fito exclusivo de aumentar seu faturamento. Um caso comum ocorre na avaliação da sílica livre cristalina, quando então estes laboratórios prescrevem a avaliação através da poeira total e poeira respirável. Ora, se a sílica tem como órgão alvo os alvéolos, por que avaliação a poeira total? Não há significado físico avaliar a poeira total no caso da sílica, mas tão somente a poeira respirável.
Outro detalhe interessante: a maioria dos laboratórios não consegue distinguir se sua amostra possui sílica livre cristalina ou sílica amorfa (não nociva à saúde). Para que seja feita tal distinção o laboratório necessita de equipamento de difratometria de raios X. Se for enviado ao laboratório amostra de um talco utilizado em crianças para a análise da sílica livre cristalina, o laudo laboratorial irá concluir que toda a amostra é sílica livre cristalina.
E agora vem um relato de uma empresa que visitamos: fomos realizar um reconhecimento de risco para efeitos de orçamento. Ao chegarmos na área de fundição, fomos alertados pelo profissional da empresa, que havíamos esquecido o agente “negro de fumo”. Como assim??? Negro de fumo na fundição??? Não há negro de fumo nesta área! Argumentamos.
O profissional insistiu e mostrou vários laudos ambientais onde fora detectado o negro de fumo, confirmado por avaliações quantitativas. Muito estranho! Argumentamos novamente.
A prova dos nove foi realizada através de outras avaliações que havia no setor. Comparamos o valor da avaliação do negro de fumo com a poeira total e constatamos que eram muito próximas, em todos os casos. Matamos a charada!
No passado foi realizado um equivocado reconhecimento de risco e foi incluído o negro de fumo nas avaliações quantitativas. A avaliação foi realizada e o amostrador enviado ao laboratório. Se o usuário do laboratório amostrar poeira total e enviar ao laboratório para que avalie negro de fumo, considerando que a metodologia analítica é a gravimetria, o laboratório irá somente pesar a amostra e assumir que tal é constituída por negro de fumo… O laboratório sequer questionou se a amostra era preta ou branca!
Resultado: durante vários anos a empresa admitiu a existência de negro de fumo em sua fundição, inclusive validada por laudo laboratorial, sem nunca ter tido tal agente no seu ambiente.
Ademais, o julgamento técnico deve ser hierarquicamente superior a qualquer análise laboratorial realizada, ou seja, se meu julgamento técnico não reconhecer um agente, não preciso necessariamente realizar uma análise química para provar que tal agente não está presente no ambiente. Por exemplo, ao avaliar a função de um soldador, se o eletrodo de solda utilizado não possui determinado metal, será que eu preciso realizar uma avaliação química para comprovar que este metal não se encontra no ambiente laboral?
Finalmente, aqueles profissionais que não possuem formação na área da química devem redobrar os cuidados na avaliação de um agente químico, uma vez que a química representa um universo à parte das ciências, onde nem sempre impera a lógica.